20080315

História de aventura e peripécias dramatúrgico-interpretativo-paulatino-paliativas - capítulo 5

A dúbia mentira tornou-me duplamente mascarada. Vassala em casa e víbora na escola. Aquilo de ser malandra tava me incomodando, sabe? Achava bonito ser Nice Guy tipo o Jackie Chan. Não sei se pra sorte ou azar a situação seria mais lacônica do que eu havia calculado.


Evoco agora seu espírito crítico, amigo, para uma breve avaliação do malfadado ensino público. De acordo com as diretrizes comuns dum determinado grupo social, é passível de compreensão que a trupe promova reuniões para acertar seus meandros e pormenores. Certo? Ta legal. Até aqui tudo bem. Substituindo 'determinado grupo social' por pais e mestres, temos uma reunião de escola. All right.


O que é que se deve tratar num aglomerado de gente de meia idade, todos com algum índice de miopia e com semblante abatido, contendo especificamente pais e professores? A última sacada fenomenal do atual regente da pátria? Os inauditos acontecimentos de Maria Mercedes? O fabuloso destino de Amelie Poulain? O que rolou na última festa no BBB? Obviamente todos vão concordar que em reunião de conselho trata-se de assunto do conselho.


Num surto de rebeldia, burlando todas as regras sociais citadas acima e desvirtuando a pauta educacional que deveria ser o objetivo de uma dessas reuniões na minha escola, minha mãe, tomada de simpatia dirigi-se à gorda loira.


A professora, por sua vez, entregou-se por completo ao sentimento de compaixão mais cristiânico já identificado, arqueou as sobrancelhas e franziu-as num singelo quê de 'óóun' fazendo dupla com o sorriso e como num daqueles jograis de natal, as duas formam um coro em uníssono para perguntar simultaneamente:


- e a perna?


Putaqueopariu.

Que é que tinha de perguntar do inferno da perna? A pergunta deveria ser sobre o meu desempenho escolar, sobre minhas idas frenéticas ao banheiro, sobre a minha prova fracassada, meu caderno incompleto, minhas perguntas inoportunas na aula, meu péssimo hábito de cuspir nos transeuntes nos momentos de recreação... que é que tem que perguntar da porcaria da perna? Olha pra ela. Ta boa? Ótimo. Ta sem gesso, então é porque ta boa. Acione o bom senso que há em você, caramba. Maior falta de delicadeza.


E foi exatamente pela ausência de tato de ambas as partes que me ferrei grandão. Enquanto a trama se desenrolava no salão maior, perto dali estava eu. Ingenuamente instalada na minha carteira desprivilegiada. A segunda da fila do meio. Sentia os perdigotos da educadora infantil tocando minha pele, como fossem respingos de algum ácido. Infelizmente não nasci tão sensitiva. Torci para que, caso fosse desmascarada, uma fisgada no peito me avisasse como nas novelas. Não funcionou.


Depois de esclarecidas as versões, ganhei carona pra casa e se trocamos 3 frases inteiras no caminho foram muitas. Conheci então mais uma mutação de reação familiar. A perplexidade paterna. É quando você transcende as expectativas na categoria 'decepcionar a progenitude'.
Meu pai, do alto da sua sapiência pastoral jamais poderia conceber tal ato de devassidão da criatura mais precoce na cristandade e o escambal. E o castigo seria ortodoxo. Não castigar.
Portador da maestria nos flagelos infantis, meu pai optou por discursar horas a fio sobre índole, caráter e boas maneiras. Uó. em breve, muito breve [dessa vez eu juro. breve mesmo] os detalhes da tese de valores do pai e a próxima desventura contendo sabão, coluna e batistério.

Ahá!

20080302

história muito, muito, muito dramática de luxúria, revelações surpreendentes e traição - capítulo 4

Conhecendo as mazelas da infância por empirismo, soube que tão logo viria algum castigo. Anote. Depois de uma tarde de extrema satisfação tendo 4 horas ininterruptas de espasmos emocionais com novelas do sbt, crianças sempre recebem punição. A minha, como a maioria massiva dos elementos nessa história, deu-se com certo retardo.


O prejuízo causado por imbuir cristianismo logo cedo na vida da gente é aquela porcaria de consciência que lateja com qualquer pequeno deslize, como inventar um dramalhão na segunda série do fundamental.


A efemeridade dos prazeres carnais [novela de tarde + leite com nescau até inchar] deu lugar ao processo ridicularizador da culpa. dormi pensando que talvez fosse menos grotesco, mais inteligente e muito mais apelativo ter dito a verdade, mas... convenhamos isso de contar a verdade só atrapalha o desempenho infanto-juvenil dos dotes dramatúrgicos, e se você que enquanto passa os olhos na minha ficha criminal precoce desdenha da imensa responsabilidade de carregar sobre si a professora manca, eu gostaria de trazer à memória do leitor as raízes nordestinizadas e acariocadas do meu lar.

Contar e se ferrar seria tão natural quanto comer e cagar, beber e mijar, bater e correr.

Na época, meus oito anos de experiência com pais me apontaram 'mentir' em lugar de contar a porcaria da verdade depois de reproduzir a cena mentalmente. Me auto-delatar confessando que me faltou coragem pra bater no portão e entrar na aula seria o mesmo que assinar com digital de dedão um atestado de asnice. Como é que eu ia explicar que metade de mim foi suficientemente rápida pra chegar primeiro na porr# do óvulo e, oito anos depois, suficientemente lerda pra não bater na porcaria do portão da escola e entrar? Eu fiz a coisa certa. Mentira justificada, a gente segue com a narrativa.

Certo. Depois de entrar em êxtase com Maria Celeste e similares – a Paola Bratcho ainda não tinha gravado a usurpadora e a Thalia era a Maria Mercedes - inaugurei minhas muitas noites insones pensando no conto do vigário que eu vendi pra minha velha e desgraça da consciência pesou tanto que não sobrou espaço pra conceber a interpretação pro dia seguinte. Obviamente a intrometida da professorinha ia me botar na inquisição sobre a falta no dia anterior.

Foi bate-pronto. Tudo no improviso. Sinal bate, dedo no nariz, meleca no cabelo da Taís, suco da merenda vazando, o coro ‘quatro-olhos’ me acompanhando até a sala. Escalei os degraus até a classe da segunda série do jeitinho que tá no registro de nascimento. Branca de medo até os mamilos. Decidi. Se meus pais foram privados da verdade, não era praquela gorda loira que eu ia contar:

- Lilian Soares... ?
- presente.
- faltou ontem?
[não. não faltei. me promoveram. agora sou orientadora, mula]
- hunrum...
- o que aconteceu?

Numa lasca de segundo vi o dedo do meu pai no meu nariz contando sobre como a baleia mastigou o Jonas fujão e a mulher de Ló que virou estátua de sal, aquela vagaba. [vide bíblia. desobediente/mentiroso/covarde se ferra.] Tudo um bando de safado da pior categoria. Eu ia me ferrar. Eu ia me ferrar. Ferrei-me grandão. Tava completamente fodi$%#@.

- eu tava saindo de casa ontem, bem prontinha pra vir, aí veio um caminhãobemgrande e atropelouapobredaminha mãe. [assim tudo junto mesmo. Foi um gorfo]

Não dava pra inventar elementos diferentes então eu fiz uso dos que compartilhei com a mãe sobre a professora. As duas com a perna direita engessada por terem sido cruelmente atropeladas. Quando me dei conta, outra baita mentira já tinha saltado da minha lingüinha ferina e Deus tava fazendo tsc tsc pra mim. Chorei num soluço tresloucado de quem carrega culpa pela primeira vez – não que eu nunca tivesse traquinado antes. A novidade era a culpa, saca? O choro era de um remorso quase tão porco quanto o de Judas, mas no contexto, a gurizada e a professora seqüelada assistiram o evento como quem vê uma Chiquitita contando suas histórias de órfã.

Me dei bem. Alento, fama, condolências, perguntas, atenção, lanche extra, giz colorido e a trégua dos coristas no entoar de rimas sobre os meus óculos.
Cheguei em casa toda raposa: “vou deixar um dente apodrecer, comprar anéis dourados com pedras grandes, um chapéu de gafieira, usar camisa de chita meio aberta no peito e virar malandro”.

Queria mesmo é que o Zé de Alencar tivesse escrito minha história. A gente parava por aí, eu virava atriz e morria rica nos braços no Johnny Deep. morria não. Era transladada.
Mas a tendência do cinema agora é todo mundo brocha e mal-amado no fim - no naipe do Martin Scorcese ferrando até o DiCaprio pra algum filho da mãe dar Oscar pros infiltrados - eu tava por cima da carne seca na contagem regressiva pra quebrar a cara.
E é claro que vai ser preciso esperar até a próxima semana pra saber como foi que eu me estrepei dessa vez. Post grande brocha leitor e eu certamente vou precisar de uns 965.427.635 caracteres pra relatar o fim do infortúnio.

abRrá.