20080118

ilustração


Feto xiita posto de castigo depois de tentativa de suicídio

reverb tribos urbanas

num milagre semântico nasceu ELIS REGINA DA SILVA, colaboradora da saga que doou o mais belo dos capítulos.




Está é a única tribo urbana que você não encontra andando por ai. Não gastam calçados de jeito nenhum, na verdade esses camaradinhas não gastam é com nada, são verdadeiros parasitas intra-uterinos, também conhecidos com fetos!

Os fetos são de fato vistos como irrelevantes aglomerados fatídicos em fase de transição, vivem reclusos e esquecidos pelo resto da sociedade, não sendo reconhecidos como classe até que migrem para a tribo dos infantes.

Toda essa falta de consideração que a sociedade tem para com os fetos acaba causando um sentimento de revolta. Desde priscas eras a insurreição desses bolinhos celulares está instituída. A revolta consiste em lutar pelo que estabelece a declaração dos direitos do homem: TV acabo, literatura dirigida, intenet (mesmo que discada) e coca-cola.

As ações táticas dessa tribo na luta pelos seus direitos básicos se dão por meio de chutinhos delicados, escondidelas do sexo e, entre grupos mais radicais, suicídio com o cordão umbilical. Tudo o que eles exigem em sua luta secular é uma vida digna nesse lugar obscuro e sombrio chamado baixo ventre onde foram "introjetados" sem a mínima autorização.





fica o protesto, não é mesmo minha gente?

conto da meia preta


I



ela reflete




Nesses tempos em que a gente fica abatido, meio gripado, vai ao médico e ganha guia pra neuropsiquiatra, ela leva essa vida meio sem graça, meio chata, meia boca, vida de meia, saca?
Infortúnio do destino foi que conduziu o doutor senador pra comprar pacote cueca box + meias pretas brindeando o kit. Comprou-a para fazer vista com o sapato preto, a gravata engomadinha e aquela indumentária toda desse naipe de maleta e gel no pouco cabelo.
O pé esquerdo da meia preta. Pendendo na ponta da gaveta feito essas donzelas de livro velho imaginando que vida de meia hippie é que era boa. Cantar e sacolejar entre sandália suja, filho! E ainda mais! ser a peça principal já que essa hippongada nasceu livre das amarras sociais que compelem a gente a fazer uso dessa coisa cafona que é roupa, né? Aí é que tava a vida. Isso de beijar bico de couro todo dia fazia o cerebelo parar de oxigenar. Credo. O pé na meia, a meia no couro o couro na rua. Que caramba! Quem lambia o joanete era a pretinha da meia e quem via o mundo era o safado do pedaço de couro/sapato. Sacanagem...





II





ela deprime








Ralinha de uso por ser exclusiva vivia a rotina malfadada: gaveta, pé, roupa suja, água, gaveta, pé, roupa suja, água, gaveta, pé. A pobre desde menina tem como parceiro, além do pé direito, a porqueira toda que um pé de hobit feioso guardado 18 horas diárias pode conter. Na cômoda onde o deleite era sonhar com prosopopéia e fingir que era meia de hippie, a esquerda parte do par de meias pretas do mais nobre excelentíssimo senhor ministro de sei lá o que (tem coisas que não são relevantes na vida de uma meia) nem sabe direito se é mesmo esquerda já que meia a gente veste de qualquer lado, mas pelas divagações de esquerdista que a behaviorista tem a gente logo deduz né? Povo besta fala da rebeldia da me. Já ouvi dizer até que era por ser preta! No Brasil minha gente, ser preto e de esquerda é fod*.
Rotina e lugares desprivilegiados deprimem qualquer pedaço de tecido libertário feito a tal meia preta do pé esquerdo do tal do ministro de sei lá o quê. Dia passa que a gente nem vê quando se está do lado de fora feito gravata, abotoaduras, sapato... quando se é meia, amigo, a gente tem couro duro batendo na cabeça dum lado e dedo encruado do outro e é sinuca/dilema todo dia.




III









ela definha







Era um vazio. O vazio quase cem vezes maior que de fome e que o pé cabeludo não podia preencher... vazio n’alma.
Num domingo chuvoso o extremo horror de si a tomou por completo. Cabisbaixa e pensando latim [porque não há nada que combine mais com morte do que latim, já dizia F. Telles]. Centrífuga barulhenta mal a deixava pensar um positivo bem hare chrishna e deixar de pensar besteira. O cheiro de água sanitária onde cueca Box Branca nada agonizando fazia tudo virar cor e som distorcido.
Foi quando um torpor de meia com bafo de peixe soprou pra pobre da meia meio desalentada que melhor seria dar cabo desse fardo no balde de sanitária. É. Coisa do ‘meia-meia-meia’. Metade queria matar-se e outra sublimar a crise meio que num supetão... Fazer passar. Isso de querer e não querer virou transe, alfa, zonzeira, gorfo, sacolejo, pileque, porre. A pobre mal se segurava no cesto da roupa suja de cara pro balde... e no três o pobre paninho viu a vida num segundo. Quando ainda tinha ‘lupo’ no verso, plástico e etiqueta no lugar de cheiro mofo e couro lhe roçando... ah, meia fadada ao alento do além!




IV





ela reviiive!




Splash balde a dentro... Sentiu comichões pelo corpo destonalizando cada pedacinho negro feito Michael Jackson! Num segundo já via tudo turvo e pedia socorro num frenesi! Branco, negro, branco, negro, branco negro...
E vejam só onde é que a pequena parou! Caixa de papelão cheia de cacareco colorido só podia ser coisa boa. E o cheiro era feito doce, feito bom! Sem calo, joanete, couro, aperto, fedor!
O vazio? Que vazio, minha gente? A meia envolvia uma coisinha nova, rosada, macia, cheirosa! Como é que é? Mão! Ééééé!! mão de mulhééééééé!De meia vazia, fedida, deprê, esbaforida, alvo de deboche, a meia esquerdista, pretinha [agora mêi bege] virou foi fantoche!









clap clap clap!

freeeakstyyyle!


Para o capítulo que explora o último elemento de celulóides componentes desse frenesi que é o convívio social, escolhemos o pitoresco amontoado de características belas que quando em desarmonia causam uma das mais curiosas anomalias visuais: FREAKSTYLE.

Adotamos a terminologia bushense-norte-ameríndia pra facilitar a compreensão. Freakstyle é uma espécie de ofensa visual indizível e impossível de se classificar na categoria do categorema de horrorosidades (vulgo: feios).

Amontoar combinações na tendência ‘retrô’, recente corrente filosófico-indumentarial é o ‘in’ no âmbito freakstyle. Se observarmos as tendências freakstyleanas vamos notar nuances do que a gente pode chamar de bonito isoladamente, mas o tal do ‘over’ é tããão ‘over’ que vira um amontoado de caracteres provocando o que os ambientalistas chama de poluição visual.

A ofensa visual não é feiurinha nem defeito de nariz. É Acúmulo de acessório/características gritantes. Saca orelhudo com cabelo surfistinha? Desse naipe. Temos também beiçudos narigudos. Não são necessariamente feios, mas são ‘oooover’. E mais uma vez a natureza impõe o grupo ao qual pertencemos não é mesmo minha gente?

Idosos, infanto-juvenis, nostyle e freakstyle nasceram presbiterianos [predestinados] a pertencer aos seus respectivos grupos... sentença, bênção, maldição, sabe-se lá.

O que vale é pertencer e despertencer feito os parasitas de gangues. Pensa só: velhote, orelhudo, com cabelo surfistinha, desorientado quanto ao que vestir e no que acreditar. Pôh! Uma criatura dessas pode ser o que quiser, manja?

Neste último capítulo, pequeninos, tomamos como lição alguns princípios básicos da vida em sociedade:

1. cuidado com suas orelhas grandes. Elas podem determinar o grupo ao qual você vai pertencer para todo sempre.

2. Parasitas sempre se dão bem.

3. A Elke Maravilha não pertence à tribo alguma

4. Sou um parasita.

5. Não prometa séries que não tem capacidade intelectual pra manter. ahahahahahahah

*

Num telefonema infeliz desses de quando a gente cai no infortúnio de fazer a coisa errada na hora errada foi que eu ferrei meu janeiro.

- alô! Oi! Chefa? Me dá uma pauta?
- toh de férias, Lilian, caramba!
Férias! Lá no dezembro ele parecia um janeiro tão seguro, tão pacato, tão bacana... tão chovendinho como todo janeiro que se preze...
Tou num janeiro tortuoso e novo demais pra minha calhordisse [de calhorda, sabe?]. Ora! Não moro no litoral, não tenho passe livre pra sambangandar nas madrugadas nem tou suficientemente incomodada pra fugir daqui, então, uma pauta cairia feito luva.
Minha desordem mental é quase do tamanho da preguiça que me toma desde segunda das 11 às 19h e eu mal consigo delimitar assuntos pra discorrer. Fico valsando nos acordes de ‘stars’ e perco as estribeiras da narrativa. Ó. Tá vendo ali em cima? Queria descrever a tarde do telefonema, mas agora, aqui, desisti. E é nessa inconstância que eu vou levando o janeiro. Tou fechando os olhos gordinhos e me encostando no travesseiro aí vejo nas pálpebras semi-abertas pedaços dos filmes que tenho assistido, dos absurdos que tenho vivido, das sandices que tenho pensado e faço força pra reviver os poucos momentos em que não ponderei as vírgulas todas. Em que eu não pensei no que diria ou pr’onde olharia. Esses deslizes do meu pudor/horror/temor distraído. Puf, dormi.