20080118

conto da meia preta


I



ela reflete




Nesses tempos em que a gente fica abatido, meio gripado, vai ao médico e ganha guia pra neuropsiquiatra, ela leva essa vida meio sem graça, meio chata, meia boca, vida de meia, saca?
Infortúnio do destino foi que conduziu o doutor senador pra comprar pacote cueca box + meias pretas brindeando o kit. Comprou-a para fazer vista com o sapato preto, a gravata engomadinha e aquela indumentária toda desse naipe de maleta e gel no pouco cabelo.
O pé esquerdo da meia preta. Pendendo na ponta da gaveta feito essas donzelas de livro velho imaginando que vida de meia hippie é que era boa. Cantar e sacolejar entre sandália suja, filho! E ainda mais! ser a peça principal já que essa hippongada nasceu livre das amarras sociais que compelem a gente a fazer uso dessa coisa cafona que é roupa, né? Aí é que tava a vida. Isso de beijar bico de couro todo dia fazia o cerebelo parar de oxigenar. Credo. O pé na meia, a meia no couro o couro na rua. Que caramba! Quem lambia o joanete era a pretinha da meia e quem via o mundo era o safado do pedaço de couro/sapato. Sacanagem...





II





ela deprime








Ralinha de uso por ser exclusiva vivia a rotina malfadada: gaveta, pé, roupa suja, água, gaveta, pé, roupa suja, água, gaveta, pé. A pobre desde menina tem como parceiro, além do pé direito, a porqueira toda que um pé de hobit feioso guardado 18 horas diárias pode conter. Na cômoda onde o deleite era sonhar com prosopopéia e fingir que era meia de hippie, a esquerda parte do par de meias pretas do mais nobre excelentíssimo senhor ministro de sei lá o que (tem coisas que não são relevantes na vida de uma meia) nem sabe direito se é mesmo esquerda já que meia a gente veste de qualquer lado, mas pelas divagações de esquerdista que a behaviorista tem a gente logo deduz né? Povo besta fala da rebeldia da me. Já ouvi dizer até que era por ser preta! No Brasil minha gente, ser preto e de esquerda é fod*.
Rotina e lugares desprivilegiados deprimem qualquer pedaço de tecido libertário feito a tal meia preta do pé esquerdo do tal do ministro de sei lá o quê. Dia passa que a gente nem vê quando se está do lado de fora feito gravata, abotoaduras, sapato... quando se é meia, amigo, a gente tem couro duro batendo na cabeça dum lado e dedo encruado do outro e é sinuca/dilema todo dia.




III









ela definha







Era um vazio. O vazio quase cem vezes maior que de fome e que o pé cabeludo não podia preencher... vazio n’alma.
Num domingo chuvoso o extremo horror de si a tomou por completo. Cabisbaixa e pensando latim [porque não há nada que combine mais com morte do que latim, já dizia F. Telles]. Centrífuga barulhenta mal a deixava pensar um positivo bem hare chrishna e deixar de pensar besteira. O cheiro de água sanitária onde cueca Box Branca nada agonizando fazia tudo virar cor e som distorcido.
Foi quando um torpor de meia com bafo de peixe soprou pra pobre da meia meio desalentada que melhor seria dar cabo desse fardo no balde de sanitária. É. Coisa do ‘meia-meia-meia’. Metade queria matar-se e outra sublimar a crise meio que num supetão... Fazer passar. Isso de querer e não querer virou transe, alfa, zonzeira, gorfo, sacolejo, pileque, porre. A pobre mal se segurava no cesto da roupa suja de cara pro balde... e no três o pobre paninho viu a vida num segundo. Quando ainda tinha ‘lupo’ no verso, plástico e etiqueta no lugar de cheiro mofo e couro lhe roçando... ah, meia fadada ao alento do além!




IV





ela reviiive!




Splash balde a dentro... Sentiu comichões pelo corpo destonalizando cada pedacinho negro feito Michael Jackson! Num segundo já via tudo turvo e pedia socorro num frenesi! Branco, negro, branco, negro, branco negro...
E vejam só onde é que a pequena parou! Caixa de papelão cheia de cacareco colorido só podia ser coisa boa. E o cheiro era feito doce, feito bom! Sem calo, joanete, couro, aperto, fedor!
O vazio? Que vazio, minha gente? A meia envolvia uma coisinha nova, rosada, macia, cheirosa! Como é que é? Mão! Ééééé!! mão de mulhééééééé!De meia vazia, fedida, deprê, esbaforida, alvo de deboche, a meia esquerdista, pretinha [agora mêi bege] virou foi fantoche!









clap clap clap!

2 comentários:

Magali Polida de Lascada Selva disse...

"1,52 de intrepidez literária."

Apreciando isso.

Ainda vou iniciar o processo de apreciação dos seus escritos.rs

Unknown disse...

gosto de finais felizes.. =]
mto mto bomm!!